terça-feira, 26 de junho de 2012

O círculo dos Korrigans


Um dia, um garoto com cerca de doze anos levou o rebanho de carneiros de seu pai sobre as encostas dos montes D’Arré, não longe da vila de Sizun. Quando ele chegou às pastagens, ainda tinha um pouco de bruma ao redor do pico da montanha e o garoto tentava ver d’onde vinha esse nevoeiro.

As pessoas da vila contam que, quando o nevoeiro vinha do lado de Commana, faria sol, mais se ele vinha de Saint Eloy, choveria. Como ele olhava ao redor da paisagem tranquila e silenciosa, a surpresa foi imediata e o fez saltar: ele percebeu sobre as encostas de monte Saint Michel, em Brasparts, um grupo de pessoas que ele acreditava serem soldados, fazendo um circulo, como para um exercício. Porem o garoto começando a entender os hábitos dos soldados, diz para si mesmo, que era muito cedo do dia para que esses já estivessem ali.

Deixando o rebanho pastar tranquilamente sobre a guarda dos cães, ele anda nessa direção e, quando chega mais perto, ele constata que não eram soldados que ele via, mas pessoas do mundo das fadas. Eles estavam ocupados em dançar em circulo, sem se preocuparem com o que se passava ao redor. 

O garoto tinha escutado varias vezes os velhos da vila falarem das fadas e ele mesmo, muitas vezes tinha visto os círculos que elas tinham deixado, as "pessoas pequenas", sobre a grama, de manhã, após terem dançando toda a noite. 

Mas ele nunca os tinha encontrado. Sua primeira idéia foi de retornar apressadamente para casa e contar aos seus pais o que ele tinha visto, mas ele abandona esse projeto, se dizendo que as fadas poderiam não mais estar lá quando ele voltasse.

Ele decide se aproximar prudentemente para melhor os observar. De qualquer jeito, ele sabia que as pessoas pequenas não o atacariam: tudo o que ele temia era que eles desaparecessem logo percebessem a presença de um ser humano.

Ele avança então, ao longo dos arbustos para melhor se esconder e consegue, dessa maneira, se esconder o mais perto possível do circulo. Lá, ele fica imóvel e abre bem os olhos para não perder nada da cena.

Ele pôde assim constatar que, entre as pessoas pequenas, existia um número igual de homens e mulheres, mas todos estavam extremamente elegantes e brincalhões. Nem todos dançavam e alguns estavam tranquilamente perto do circulo, esperando entrar na roda. Algumas mulheres montavam pequeninos cavalos brancos dancarinos.

E todos eles usavam belas roupas de diferentes cores, e como alguns entre eles usavam roupas vermelhas, o garoto havia pensado que eram soldados. Ele estava lá, em plena contemplação desse espetáculo incomum, quando as fadas o perceberam. Ao invés de parecerem hostis ou de fugirem, eles lhe fizeram sinal para entrar no circulo e se juntar em sua dança. Ele não hesita, porém, desde que ele entra no círculo, ele escuta a mais doce e irresistível música que ele já escutou.

Imediatamente, sem compreender o que se passava, ele se encontra no meio de uma elegante casa, aos muros recobertos de tapeçarias de todas as cores. Jovens moças adoráveis lhe acolhem e o conduzem a uma grande sala onde comidas apetitosas estavam dispostas numa mesa. 

Elas o convidam para comer, e o garoto, que não conhecia que as habituais batatas ao leite de manteiga, que constituíam as refeições na fazenda, se delicia com os pratos de uma requintada fineza, todos a base de peixes. E lhe dão a beber o melhor vinho que foi servido em copo de ouro cravado de pedras preciosas. O garoto se acreditava no paraíso. A música e o vinho o entorpeciam, e a visão dessas jovens ansiosas em torno dele o encantava. Uma delas lhe diz então num tom amável:

- Você pode ficar aqui o tempo que quiser. Você se juntará conosco dia e noite e você terá o que comer e beber tanto o quanto desejares. Mas há uma coisa que você não deve jamais fazer: beber a água do poço que se encontra no meio do jardim, mesmo que tenhas muita sede, pois então, você não poderá mais morar aqui.

O garoto se apressa em garantir que ele tomaria muito cuidado a não infligir essa proibição. E quando ele foi bem saciado, as jovens o levaram para dançar. Ele não se sentia cansado e seria capaz de se divertir assim durante toda a sua vida. Nunca ele tinha feito uma tamanha festa, jamais ele tinha provado tamanha alegria, uma felicidade de se achar no meio de um luxo incomum, com pessoas elegantes e distintas que lhe tratavam com doçura e cortesia. Acontecia-lhe de pensar na fazenda, a seu rebanho, a seus pais, mais ele caçava rapidamente essas imagens de seu espírito para melhor absorver a dança e a musica.

Um dia, no entanto, quando ele pegava ar no jardim, no meio das flores mais belas e perfumadas, ele se aproxima do poço e se pendura para ver o que havia em seu interior: ele percebe uma multidão de peixes brilhantes que tremiam e enviavam para ele a luz do sol. Então ele não pôde resistir: ele aproxima seu braço e sua mão toca a superfície da água. Logo os peixes desaparecem e um grito confuso se fez escutar através do jardim e da casa. A terra começou a tremer bruscamente e o garoto se encontra no meio de seu rebanho, na encosta do monte Saint-Michel.

Ainda existia a neblina no pico da montanha, mas o garoto, apesar de procurar em todo lugar, não pôde descobrir nenhum traço do circulo, nenhum traço de poço, nem da casa das fadas. Ele estava sozinho nas montanhas, e seus carneiros pastavam pacificamente como se nada tivesse acontecido.

Fonte: culture bretonne

quarta-feira, 20 de junho de 2012

A Fada do Azevinho


O dia caía docemente sobre o pomar no qual um velho camponês e sua esposa descansavam. No fundo do campo, se desenhava a massa imponente da qual as pessoas d’Essé, e os outros, chamavam de Rochedo das fadas.

- No tempo em que acreditávamos nas fadas, a vida era menos dura – suspira a mulher.

- A terra era certamente mais baixa e os fardos de feno mais pesados – replica o homem.

- Mas as fadas ofereciam presentes àqueles que as amavam, e após sua morte, elas pegavam suas cinzas.

- Talvez você tenha razão, responde o homem pensativo, deveríamos sempre honrar as fadas.

E enquanto eles suspiravam o tempo das antigas lendas, uma pequena aurora começou a brilhar no meio das macieiras em flor. Em seu centro, pegava forma uma leve silhueta, vestida de branco, coroada e cinturada de bagas vermelhas. A adorável criatura avança para eles e eles escutam risos cristalinos, sininhos invisíveis batiam em torno dela.

Enfim, ela fala: "porque vocês não se esqueceram das fadas, eu, a Fada do Azevinho, vou recompensar vossa fidelidade. Eis aqui uma bolsa repleta de moedas de ouro. Vocês poderão gastar à vossa vontade, vocês terão sempre mais, muito mais, até o fim de vossas vidas. Eu não lhe peço que um serviço em troca. Tenho ali um vaso cujo conteúdo é muito precioso para mim e eu vou enterrá-lo sobre o rochedo das fadas. Eu lhes incumbo de vigia-lo e, sobretudo de jamais, nunca, procurar saber o que ele contém".

Ela entregou-lhes um vaso esculpido de linhas entrelaçadas, depois desapareceu numa última poeira prateada. 

O ouro era inesgotável, como havia prometido a fada. Mais arados, mais colheitas. Os dois velhos passaram a comprar pão, carne, cidra, creme e manteiga. Eles se vestem e mobíliam a casa como burgueses. O tempo passa, e após ter provado o prazer de não fazer nada, eles conheceram o tédio. Bem conhecido como o malvado conselheiro.

A mulher se lamentava – eles não tinham bastante dinheiro para fazer compras e pegar o trem para a grande cidade. Ela começou a pensar no vaso escondido da fada. Qual excitante segredo ele continha? Ouro, sem dúvida. Pegando um pouco emprestado, permitiria comprar terras, ganhar mais ouro e depois ela reporia a soma sem que a fada notasse. Seu marido a dissuadia fortemente.

Mesmo assim ela se rasteja sobre o monumento, mas o voo de damas brancas aos olhos de ouro a fazem retirar-se. Então ela alega que ela escutava um lamento vindo das grandes pedras e que raios de fogo apareciam a noite. “e se o vaso continha ossos de um prisioneiro das fadas morto de tristeza? Ou aqueles de uma criança trocada que não teria sobrevivido? Nós devemos salvar essa alma, lhe dar uma sepultura”.

Mas seu esposo não cedia. Enfim, uma noite, ele tomou sua decisão. Chegando ao rochedo das fadas, ela desenterra por alguns instantes o pequeno vaso. Um punhado de cinzas, alguns fragmentos de ouro, eis o pobre tesouro que ela descobre. Se tremendo, ela recoloca o recipiente na terra, o recobre o melhor que ela pôde e volta para casa.

O fogo estava apagado e seu marido chorava, sentado na sua casa que não era mais que um triste casebre. Em pé diante dele, a fada chorava também, do amor inconstante dos homens e de sua confiança traída. Seu vestido tinha tornado-se cinza e as bagas de azevinho haviam murchado, em seu pescoço e em seu corpo.

 Fonte: Culture Bretonne e Commune D'Éssen.

O monumental dólmen do rochedo das fadas está situado na comuna de Éssen em Ille-et-Villaine. Ele mede 19,5 metros de comprimento, 4,70 metros de largura e aproximadamente 4,10 de altura. Esse impressionante edifício data do período final da era neolítica e é constituído de uma quarentena de blocos de xisto pré-cambriano. Esses xistos, não presentes na região, devem ter sido importados. O deposito de xisto mais próximo encontra-se na floresta de Treil a 5 km do rochedo. É um trabalho titânico tendo em vista o tamanho dos blocos de pedra, cujo umas 12 devem pesar cerca de 40 toneladas.

domingo, 17 de junho de 2012

Os Petrificados de Bréhat


O arquipélago de Bréhat é um reino de pedras – em pé, deitadas, solitárias ou em grupos, esculpidas pelo vento e pelas marés, roídas pelos ataques do mar. Porém a lenda dessas pedras deve-se a duas estórias distintas: a do Conde de Goello e da Sereia de Bréhat.

Nos rochedos de Pan, conta-se o drama do conde Mériadec de Goello. Seus dois filhos Gwill e Isselbert, cansados de esperar a morte do pai, decidem matá-lo para possuírem sua herança. Sabendo do complô armado pela família, Mériadec consegue fugir, no entanto é alcancado pelos filhos na ponte de Pan e é assassinado.

Ao levantarem o corpo morto do pai para jogá-lo no penhasco, seus corpos são acometidos por um endurecimento e acabam-se tornando de pedras, assim como o corpo do seu pai. Unidos e petrificados para sempre ao corpo do pai, estão banhados em sangue, assim como todo o restante dos rochedos de Bréhat.

Já sobre as colinas do arquipélago, as grandes pedras em posturas humanas – ajoelhadas - contam a história da fada de Pan, que um dia recebe a visita da princesa das águas. A visitante era tão bela que os pastores da ilha enlouquecem e abandonam seus rebanhos, ficando-os a adorar a jovem princesa. Angustiada, ela pede à sua amiga de acabar com seus admiradores e a fada os petrifica tal como estavam. Assim eles testemunharão para sempre a fascinante beleza da princesa.

Fonte: Culture Bretonne

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Nantosuelta


Nantosuelta é a deusa da terra e como tal deve passar seis meses sobre ela e seis meses no submundo. Consorte de Sucellos é a deusa da agricultura, dos vales, das colinas, do gado, da sexualidade, da vida e da morte.

Altar em Sarrebourg
Suas representações são de deusa brilhante que carrega em sua mão direita uma colmeia e aos seus pés um corvo. Na mão esquerda havia uma cornucópia ou uma casa. Como soberana da terra protege as mães e as crianças, favorecendo os pacíficos.

Sua mais famosa representacão fica no altar de Sarrebourg, na região de Moselle – França, na qual Nantosuelta, vestida com um longo vestido, porta na mão esquerda uma edicula com dois buracos circulares e um teto pontudo. Acima do altar existe a inscrição DEO SVCELLO NANTOSVELTE BELLAVSVS MAS SE FILIVS V S L M [Pour Sucellus et Nantosuelta, Bellausus, fils de Massa, a volontairement et à juste titre accompli son vœu “V(otum).S(olvit).L(ibens).M(erito)”] “Por Sucellos e Nantosuelta, Bellausus, filho de Massa, voluntariamente e com razão realiza seu voto”.

Essa escultura datada por Reinach em 1922 informa que pela forma das letras se caracteriza como fim do primeiro século ou inicio do segundo século. (páginas 217-232).

Estudos recentes afirmam que Nantosuelta significa Vale ensolarado. Nantu ou Nanto em gaulês significa vale e seus toponimos são Trinanto – três vales, Nantiacum, Nantu-ialon – Vale da Luz, Diou-Nanto – Vale Sagrado, Nant-Aror no tábua de zinco de Berna [Suíça]. O nome passado ao latim se conservou em certos dialetos franceses como “rio que atravessa o vale” 

Fonte: Reinach, S. (1922) Cultes, mythes et religions

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Chapeuzinho vermelho, o lobo e o mito de Sucellos


O mais famoso dos contos de lobo é também, sem contexto, um dos mais misteriosos. O que não impede, muito ao contrario, as interpretações simplistas. Charles Perrault não inventou a tão improvável historia da mãe entregando a filha às garras do lobo. Como o essencial dos relatos que ele redige em 1695, provavelmente foi colhido da boca de um lacaio ou serviçal vindo do interior. 

Sem duvida ele trabalha todo o seu gênio para moldá-lo numa linguagem muito sutil, mas nós podemos adivinhar que as motivações inconscientes para tal estória não falta: irmão de um gêmeo morto, ele possui contos com duplas interpretações [Henrique - o topetudo, O pequeno Polegar, Cinderela, As fadas] e podemos até mesmo perguntar se, atrás do nome - masculino – de Chapeuzinho vermelho* não é possível escutar foneticamente um pequeno Charles Perrault.

Sendo assim, o texto do conto redigido por Perrault vem do saber popular onde é possível aos folcloristas do século XIX encontrar diferentes versões, umas vinte, testemunhando o que poderia ser o essencial do material recolhido e modificado por Perrault. Nessas leituras, compreendemos rapidamente que o sábio acadêmico criou algumas modificações: em alguns relatos o lobo mata a avó, porem ele se contenta em sangrá-la e fatiá-la para que quando a menininha chegue, ele ofereça uma espécie de refeição canibal; e enfim, graça a um subterfúgio, a heroína escapa e o lobo se afoga.

Atrás do horror, é possível colocar em evidencia uma grande sabedoria: no contexto da sociedade rural tradicional, esse conto tratava simbolicamente da transmissão dos saberes e poderes entre gerações de mulheres, da distribuição dos papéis entre homens e mulheres e da passagem da infância à idade adulta.

Revisto e corrigido por Perrault sobre a forma de um “conto de advertência”, ele submeteu uma feliz modificação através dos contos de Grimm onde, se inspirando no Lobo e Sete Cabritinhos, a tradição oral dá forma à versão escrita, voltando-se para os finais felizes.

(...) Pode-se pensar, alías, que essa estranha historia tira sua fonte de um episódio da mitologia indo-européia que coloca em evidência dois personagens conhecidos pelos gauleses sobre o nome de Sucellos e Nantosuelta. O primeiro, às vezes representado vestido com uma pele de lobo sobre o ombro, ou acompanhado de um lobo, acaba, depois de várias tentativas malsucedidas, por se fantasiar de mulher velha para apreender a comida divina transportada pela segunda, que é uma jovem deusa. (...)

Fonte: Quand on parle du loup en Bretagne - François de Beaulieu

* No original em francês - Le Petit Chaperon Rouge - nome masculino.

 
Fato bem discutido na literatura, esse final por vezes é atribuído aos Grimm. Alguns estudiosos afirmam que no final do conto original de Perrault, escrito para Luís XIV, a heroína é devorada pelo lobo, assim como a sua avó. Sendo um conto voltado à moralidade das jovens mulheres – a perda da virgindade [comida] poderia ser punida com sangue [assassinato] se essas se deixassem seduzir pelo lobo [homem]. 
 
Tratando-se de uma tradição rural também alertava às jovens bonitas - tendo em vista que chapeuzinho é retratada não como uma criança, mas como uma moça jovem, atraente e bem educada – sobre a possibilidade de estupros, caso saíssem sozinhas para florestas ou lugares afastados.

 
Uma das muitas funções de Sucellos era oferecer aos “mortos” recém-chegados no submundo a bebida da imortalidade, com a qual a alma poderia viver livremente até retornar a um novo corpo. Caso a bebida não fosse oferecida, sucellos aniquilaria essa alma, apagando toda a esperança de que ela um dia retornasse à Bitos. No caso de chapeuzinho, em uma das versões lhe é oferecido um jantar feito com a sua avó já morta. Podemos supor então que: 

1. Ela como recém-chegada à Antumnos deveria beber – ou como relatada na estória, comer – os restos de sua avó para viver livremente no submundo.

2. Possa ser que ela tenha encontrado somente a entrada, tendo em vista que diversos heróis da mitologia celta conseguem entrar no submundo sem estarem mortos, uma vez que é descrito que ela “consegue escapar através de um subterfúgio”.

3. O submundo dos gauleses, muitas vezes é visto como oceanos, rios ou regiões alagadas. O fato do lobo se afogar pode ser uma alusão ao fato de que Sucellos, como deus do submundo, após aventurar-se pela terra, poderia voltar ao Antumnos se “afogando” ou afundando no oceano.