segunda-feira, 28 de maio de 2012

Ésus, o visitante noturno


Na vila, todos o chamam de Rutenos, o vermelho, provavelmente por causa de seu rosto carmesim, de sua pele queimada pelo fogo de sua oficina, de seus fartos bigodes ruivos e de seus cabelos desgrenhados da mesma cor.

Sempre alegre, de olhos risonhos afundados nas orbitas, protegidos do fogo das chamas por sobrancelhas cabeludas, esse simpático gigante de força legendária não é de forma alguma um homem como os outros e possui certo prestigio. 

Retumbando desde a aurora, o som claro de seu martelo sobre a bigorna acorda cada manha, um bom número de habitantes da pequena aldeia. Sabemos pela tonalidade de notas que escapam de seu atelier, o sentido do vento e deduzimos qual tempo fará.

Graças a seu martelo mágico, Rutenos faz cantar o ferro. Sua oficina é como um santuário onde, com a cumplicidade do fogo, ele doma o metal. Sobre seus hábeis golpes surgem armas formidáveis utilizadas pelos guerreiros, espadas, lanças, dardos, mas também as pacíficas ferramentas do camponês ou o machado do lenhador.

Para os gauleses, Rutenos é um homem superior, um pouco inquietante, dotado de um poder sobrenatural. Os segredos da metalurgia foram transmitidos de seus longínquos ancestrais pelo deus ferreiro Ucuetis. Não se pode esquecer que é o domínio sobre o ferro que dão aos celtas sua superioridade sobre muitos povos, que só tinham à sua disposição, armas em bronze. 

Nessa noite, Rutenos demora mais que o de costume em seu atelier. Lá fora, a noite cai e o ferreiro se prepara para apagar as últimas brasas que crepitam ainda no seu forno. Bruscamente, golpes violentos batem na porta. Logo um homem penetra em seu atelier. Alto, sem camisa, com músculos poderosos, ele está apressado. O ferreiro imediatamente nota o machado de corte fraco que ele carrega na mão. Ele não tem nem mesmo tempo de perguntar ao visitante a razão de sua intrusão intempestiva. 

Esse último já falava: "você é Rutenos, o ferreiro, aquele que ostenta o titulo de ferreiro incomparável? Eu lhe trago meu machado para que tu refaças a lâmina". Intrigado, o ferreiro observa esse curioso cliente vindo numa hora tão tardia.

 - Anoiteceu e minha oficina está fechada. Volte amanhã na aurora, então eu me ocuparei de teu machado, responde com calma Rutenos. O que você cortou para que ela esteja em tal estado? O desconhecido, aumentando o tom, recomeça com uma voz autoritária:

- É nesta noite que eu quero meu martelo, entendestes Rutenos, esta noite! Ninguém faz Ésus esperar! E, ouvindo esse nome, Rutenos se sobressalta. Ésus ! O cruel Ésus ! O lenhador divino! O decifrador celeste! Aquele que os gauleses têm medo e pelo qual os druidas penduram as vitimas nas arvores!

O ferreiro não é um homem medroso, mas a presença do deus sobre seu teto não lhe agrada em nada e o incomoda. Rápido, ele acrescenta carvão de madeira no seu forno e aciona o fole. Um brilho avermelhado ilumina a peça, projetando nas paredes sombras dançantes. Rutenos coloca o machado de Ésus no meio do forno e continua a ativar o fogo. Com a ajuda de um atiçador, ele reagrupa sem parar as brasas sobre o fogo até que esse atinja a temperatura esperada.

Então com sua longa pinça, ele retira o machado e o coloca sobre a bigorna. Retirando seu mais pesado martelo, ele bate com golpes redobrados sobre a ferramenta do deus d’onde saem uma chuva de faíscas. O ferro se estende, se deforma, azulece pouco a pouco. Ele novamente faz o ferro esquentar até ficar branco. O trabalho noturno de Rutenos intriga os aldeões. Mas, como o temem, ninguém ousa perguntar nada.

Durante toda a noite, Rutelos martela o ferro do machado. O suor cai de sua pele, cola sobre o bigode...ele não para que nos primeiros raios da aurora. Ele apresenta então ao deus uma ferramenta perfeita, com lâmina regular, afiada, uma obra-prima. Ésus parece satisfeito. Retomando seu machado, ele desaparece rapidamente na neblina matinal, sem nem mesmo agradecer ao ferreiro. 

Rutenos, exausto, mas aliviado, pode enfim dormir. Como ele é um pouco falador, ele guardará segredo de sua desventura e ninguém nunca conhecerá a identidade de seu cliente noturno.

Les Légendes du Monde - traduzido do original em francês por Elantia Leto.

0 comentários:

Postar um comentário