segunda-feira, 28 de maio de 2012

O Malhete de Sucellos


Deitado sobre sua biga transformada em cama, Bogiorix descansa, o rosto tão pálido quanto o mármore, mas com traços serenos. Poderíamos dizer que ele dorme um calmo sono. Não vemos o menor traço do golpe de lança fatal que lhe atravessou o tórax : seu escudo de madeira, decorado com motivos geométricos, esconde totalmente seu ferimento. Do lado direito, jaz sua espada preferida, colocada numa bainha de bronze ornada de arabescos e reforçada de corais. Ele era tão orgulhoso !

A calma da casa real somente é perturbada por sufocadas lágrimas. Num local escuro, Diuogna, a filha mais jovem do defunto, chora tristemente. Lágrimas rolam sobre suas bochechas de criança. Todo mundo tentou consola-la, lhe repetiam que seu pai foi morto em batalha, mas ninguém podia conter sua tristeza. Quando seis fortes guerreiros levantam a cama mortuária, Diuogna aperta seus pequenos dedos para não gritar.

O cortejo fúnebre atravessou solenemente a vila para conduzir Bogiorix até sua morada eterna. Antes de descerem ao fundo da vala, os druidas fazem o sacrifício ritual de suas armas para que Bogiorix entre no outro mundo levando a paz. O ferreiro tira a espada do morto de sua bainha e a mergulha na fogueira. Quando o ferro torna-se bem vermelho, ele dobra varias vezes a lâmina sobre ele mesma. Depois, tirando um pesado machado, ele faz violentos golpes sobre a placa de metal que reforçava o centro do escudo do chefe. Um druida começa a falar. Ele explica que um gaulês não deve temer a morte; que ela somente marca a metade de uma longa vida.

Quando o corpo desce à terra, o irmão mais velho de Diuogna joga na vala uma estatua de cavalo. É esse animal, fiel companheiro dos guerreiros, que tem a tarefa de conduzir as almas para o outro mundo, além, muito além, muito longe, além do ocidente, em alguma ilha desse oceano infinito onde o sol desaparece a cada noite.

Enquanto a alma de Bogiorix cavalga através do espaço em direção a esse reino misterioso, começa-se a preencher sua tumba. O velho Trítios, um amigo do rei, segura a mão de Diuogna. Ele lhe fala sobre seu pai, de sua generosidade : quem teria lhe emprestado uma grande soma de moedas alguns dias antes?

Bogiorix tinha acordado que Trítios lhe pagasse somente no outro mundo. Esse curioso acordo, frequente entre os gauleses, prova que eles possuíam a certeza de que reviveriam após a morte. Diuogna, ela também, esta convencida, mas isso não é suficiente para aliviar a alma de uma menininha que acaba de perder seu adorado pai.

Desde sua chegada ao país dos mortos, Bogiorix é acolhido por Sucellos. O deus, vestido à moda gaulesa, porta uma curta túnica, um capuz e braies*. Ele se apóia num longo bastão. Olhando melhor, Bogiorix percebe que esse bastão termina num malhete** de duas cabeças : os golpes deferidos com a primeira cabeça são mortais; aqueles deferidos com a segunda cabeça, ao contrario, tem o poder de ressuscitar. Em efeito, Sucellos, aquele que bate forte, é as vezes o deus da morte e da ressurreição.

Sucellos vai até o barril situado atrás dele para encher, com a bebida da imortalidade, um pequeno vaso de cerâmica que entrega à Bogiorix. A partir de agora, o chefe gaulês começa, perto dos deuses, uma nova existência, uma segunda vida.

Sobre a terra da Gália, no pais dos vivos, um menhir, alto e largo, se levanta sobre sua tumba. Bogiorix, o "combatente supremo", entra para as lendas. Seus feitos, cantados pelos bardos, se acrescentam àqueles de seus gloriosos ancestrais. Sobre sua sepultura, lugar sagrado, os profetas, certas noites, virão recolher às previsões do futuro.

* calças gaulesas, largas na perna e atadas nos tornozelos.
** uma espécie de martelo comum em julgamentos

Les Legendes du Monde - traduzido do original em francês por Elantia Leto

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