Deitado sobre sua biga transformada em cama, Bogiorix
descansa, o rosto tão pálido quanto o mármore, mas com traços serenos. Poderíamos
dizer que ele dorme um calmo sono. Não vemos o menor traço do golpe de lança
fatal que lhe atravessou o tórax : seu escudo de madeira, decorado com
motivos geométricos, esconde totalmente seu ferimento. Do lado direito, jaz sua espada preferida, colocada numa
bainha de bronze ornada de arabescos e reforçada de corais. Ele era tão
orgulhoso !
A calma da casa real somente é perturbada por sufocadas
lágrimas. Num local escuro, Diuogna, a filha mais jovem do defunto, chora
tristemente. Lágrimas rolam sobre suas bochechas de criança. Todo mundo tentou consola-la, lhe repetiam que seu pai foi
morto em batalha, mas ninguém podia conter sua tristeza. Quando seis fortes
guerreiros levantam a cama mortuária, Diuogna aperta seus pequenos dedos para
não gritar.
O cortejo fúnebre atravessou solenemente a vila para
conduzir Bogiorix até sua morada eterna. Antes de descerem ao fundo da vala, os
druidas fazem o sacrifício ritual de suas armas para que Bogiorix entre no outro
mundo levando a paz. O ferreiro tira a espada do morto de sua bainha e a mergulha
na fogueira. Quando o ferro torna-se bem vermelho, ele dobra varias vezes
a lâmina sobre ele mesma. Depois, tirando um pesado machado, ele faz violentos
golpes sobre a placa de metal que reforçava o centro do escudo do chefe. Um druida
começa a falar. Ele explica que um gaulês não deve temer a morte; que ela
somente marca a metade de uma longa vida.
Quando o corpo desce à terra, o irmão mais velho de Diuogna
joga na vala uma estatua de cavalo. É esse animal, fiel companheiro dos
guerreiros, que tem a tarefa de conduzir as almas para o outro mundo, além,
muito além, muito longe, além do ocidente, em alguma ilha desse oceano infinito
onde o sol desaparece a cada noite.
Enquanto a alma de Bogiorix cavalga através do espaço em direção
a esse reino misterioso, começa-se a preencher sua tumba. O velho Trítios, um
amigo do rei, segura a mão de Diuogna. Ele lhe fala sobre seu pai, de sua
generosidade : quem teria lhe emprestado uma grande soma de moedas alguns
dias antes?
Bogiorix tinha acordado que Trítios lhe pagasse somente no
outro mundo. Esse curioso acordo, frequente entre os gauleses, prova que
eles possuíam a certeza de que reviveriam após a morte. Diuogna, ela também,
esta convencida, mas isso não é suficiente para aliviar a alma de uma menininha
que acaba de perder seu adorado pai.
Desde sua chegada ao país dos mortos, Bogiorix é acolhido
por Sucellos. O deus, vestido à moda gaulesa, porta uma curta túnica, um capuz
e braies*. Ele se apóia num longo bastão. Olhando melhor, Bogiorix percebe que esse bastão termina num
malhete** de duas cabeças : os golpes deferidos com a primeira cabeça são
mortais; aqueles deferidos com a segunda cabeça, ao contrario, tem o
poder de ressuscitar. Em efeito, Sucellos, aquele que bate forte, é as vezes o
deus da morte e da ressurreição.
Sucellos vai até o barril situado atrás dele para encher,
com a bebida da imortalidade, um pequeno vaso de cerâmica que entrega à
Bogiorix. A partir de agora, o chefe gaulês começa, perto dos deuses, uma nova existência,
uma segunda vida.
Sobre a terra da Gália, no pais dos vivos, um menhir, alto e
largo, se levanta sobre sua tumba. Bogiorix, o "combatente supremo",
entra para as lendas. Seus feitos, cantados pelos bardos, se acrescentam
àqueles de seus gloriosos ancestrais. Sobre sua sepultura, lugar sagrado, os
profetas, certas noites, virão recolher às previsões do futuro.
* calças gaulesas, largas na perna e atadas nos tornozelos.
* calças gaulesas, largas na perna e atadas nos tornozelos.
** uma espécie de martelo comum em julgamentos
Les Legendes du Monde - traduzido do original em francês por Elantia Leto

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