"Um sol primaveril ilumina o vale; uma leve brisa balança as
folhas dos choupos. Parada na borda de um riacho, uma égua branca se sacia
enquanto seu jovem potro brinca ao seu redor. Sentada sobre suas costas, uma
graciosa amazona veste um longo vestido plissado de mangas curtas.
Seus cabelos, dispostos em duas bandas separadas por um raio,
tombam em coque sobre sua nuca. Algumas mechas, que escaparam durante a
corrida, caem sobre sua testa. A bela amazona, se servindo d’água como um espelho, ajeita
seu penteado... o potro, cansado de correr, vem mamar na mãe...
Sem barulho, para não afugentar a bela aparição, camponeses,
que trabalhavam ali próximo, se aproximaram. Um sorriso ilumina seus rostos
quando reconhecem Épona, a deusa égua. Ela parou em seus campos: a próxima
colheita será então abundante! - pensam.
Um dentre eles, Nertovir, um gaulês reputado por seus
truques, teve então uma ideia: capturemos o potro
de Épona, disse ele àqueles que o cercam, e nos teremos todos os anos, celeiros
bem cheios, rebanhos sadios e gordos.
Correndo até a aldeia vizinha, ele avisa à
todos os homens que consegue achar. Munidos de redes que lhes servem
ordinariamente à captura de javalis, eles voltam ao campo onde estava a divina
amazona.
Os camponeses se organizam em um grande circulo ao redor do
campo e depois avançam muito lentamente, quase rastejando, para a égua. O cerco
se fecha. Quando Épona percebe a armadilha, ela faz sua égua partir em galope. Os
gauleses se precipitam gritando em torno do jovem potro que pastava ao longe. O
pobre animal, assustado, queria fugir, mas as redes, jogadas de todas as direções,
o impedem. O potro se enreda nas malhas de cânhamo; ele se debate e cai.
Os homens conseguem amarrar suas patas e imobilizado pelas
cordas, o potro de Épona é levado até a estrebaria de Nertovir. Por mais segurança,
se reforça a porta com solidas pranchas de madeira.
No meio da noite, Nertovir é acordado pelos latidos de seus
cachorros. Ele se levanta apressado e sai de sua casa. Lá fora, ele encontra
outros camponeses, alertados eles também, pelos barulhos suspeitos. Alguns acreditam
ter visto, deslizando entre as casas, a sombra de um cavalo branco e sua
amazona. Eles imediatamente pensam em Épona e se dirigem à estribaria de Nertovir,
no entanto a porta continua bem fechada e as madeiras não foram mexidas. Um pouco
tranquilizados, cada um retorna para dormir.
Quando pela manha, Nertovir vai alimentar o potro, qual não
é a sua estupefação de achar a estribaria vazia! Um grande buraco perfurado na
parede dos fundos permitiu ao animal reencontrar a liberdade. Nenhuma duvida
então de que a misteriosa amazona, que durante a noite rondava a aldeia, era Épona.
Nertovir se arrepende de sua louca empreitada e agora teme a vingança da
deusa, de cujo potro quis se apropriar."
Les Légendes du Monde - traduzido do original em francês por Elantia Leto
Nessa fábula podemos perceber os aspectos da abundâcia e da maternidade atribuídos à deusa gaulesa Épona. Como também a questão, bastante vista na literatura, do homem que visando o próprio lucro, rouba algo divino dos deuses e com isso sofre consequências geralmente negativas.

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